Esta noche conheci uma linda garota enquanto quase morríamos.
A barca laranja que curvava a esquina sem freio, fazendo a respiração dos bares pausar um instante, atentou simultaneamente contra nossas vidas.
Instantes antes do episódio, ela — a garota — vinha caminhando pela rua e sua imagem, junto à mudança do semáforo, deteve meu movimento.
Parou ao meu lado, olhou determinada para o infinito enquanto as gotas da garôa tocavam sua pele pela, talvez pela primeira vez.
Passado o susto e o sorriso desdenhoso da morte certa, virei-me a ela e comentei, misturando surpresa e agradecimento: —Queria nossas cabeças!
Pareceu-me que ela sorria em resposta, emitindo algum som de concordância. E com as mãos nos bolsos apertados da calça jeans, intervenho novamente: —Voltando para casa?
Ela me responde num castelhano claro, articulado...
—Perdón, ¿qué dijiste?
As batidas aceleradas que vinham se acalmando foram assim superadas, por uma razão mais brilhante, morena e altiva, de jaqueta de couro preto e camisa verde presa à cintura.
Refiz minha pergunta em alto e bom português, e um breve diálogo seguiu-se enquanto seguiam-se nossos passos ladeira abaixo.
Soube dela recém chegada a São Paulo e que voltava para a nova casa. Ofereci-lhe as boas vindas hospitaleiras de todo bom brasileiro. E ainda, viera morar aqui a trabalho, chegando já com função designada.
Mas assim como uma esquina nos introduziu e outra nos manteve juntos, a terceira esquina nos separou.
E segui descendo enquanto ela afastava-se dobrando à esquerda, buscando no imaginário e na razão um significado para a breve presença daquela criatura encantadora em minha noche.
Agora, já consciente de tantos significados, penso: como terá sido a noite dela?